O machismo encarcerado: por mais Celinhas, Neides, Widads, Márcias e Mirians

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Por: Prof. Sergio A. Sant’Anna*

É triste, em pleno século XXI, defrontarmos com situações medíocres e violentas que tornam latentes os argumentos e despertam o machismo encarcerado. Desde a adoção da Lei Maria da Penha em 2006 os casos de violência contra a mulher só aumentaram. Nos lares essas ocorrências quantificam-se, todavia, cenas de violência contra a mulher são constantes em nossa sociedade.

A ínfima representação feminina em determinados setores da sociedade demonstra o preconceito. Seja na Literatura, na Cultura, na Política o julgar antecipado dá voz à ausência argumentativa, amparando-se em xingamentos, uso de palavras de baixo-calão e o escancarar de situações particulares demonstrando o poderio bélico do machismo. A questão é secular e merece ser combatida, principalmente por aqueles que legislam ou mesmo aqueles que lidam com a Justiça, utilizando-se da legalidade para cumprir a lei e barrar essa insanidade.

Na Literatura possuímos inúmeros casos, que trataram a mulher apenas como personagens submissas e dependentes ao homem. Na semana passada, lembro-me de citar em uma de minhas aulas Carolina Maria de Jesus e seu clássico: “Quarto de despejo” e sua trajetória de preconceitos, mesmo depois com o sucesso desta obra fundamental; assim foi com Maria Fermina dos Reis entre os românticos, Raquel de Queirós entre os acadêmicos, Madame Bovary de Flaubert, Luísa e Capitu durante o Realismo, Rita Baiana no “O cortiço”, Madalena de “São Bernardo”. A verossimilhança desperta-nos a realidade não combatida ainda hoje. Situações que se ancoram nessa normatividade social, nesse acostumar esquizofrênico que carregamos em nosso cotidiano.

Na Política, não menos diferente como em outras esferas da nossa sociedade, a mulher é tratada como incapaz, inferior, como aquela que não possui a capacidade de administrar, legislar, gerenciar etc., conceitos evidenciados nas últimas eleições. A participação feminina aumenta, entretanto, a ocupação dos postos é vetada quando chega o momento da escolha através do voto popular. Com especial atenção aos números de uma representatividade que cresce a passos lentos a cada eleição e, mais do que isso, a quem está por trás desses números, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem, nos últimos anos, se posicionado de forma decisiva na luta por mais mulheres na política no Brasil.

Elas são maioria entre os 150 milhões de eleitores, somando 53%. No entanto, são minoria nos cargos de representação. Nos últimos 195 anos, a Câmara dos Deputados por exemplo, teve 7.333 deputados, incluindo suplentes. Apesar de conquistarem o direito de serem eleitas em 1933, as mulheres ocuparam somente 266 cadeiras nestes quase 90 anos. Atualmente, a cidade de Palmas (TO) é a única capital comandada por uma prefeita no Brasil. Em todo o país, foram escolhidas, nas Eleições Municipais de 2020, 666 mulheres para comandar prefeituras, entre os 5.463 eleitos. Isso representa cerca de 12% do total de eleitos. Já para as câmaras municipais, foram 9.277 vereadoras eleitas (16%), contra 48.265 vereadores (84%). Com números assim, dá para entender por que o Brasil está no fim da fila dos países com baixa representação feminina na política, ocupando a 142ª posição entre 191 nações citadas no mapa global de mulheres na política da Organização das Nações Unidas (ONU) e o 9º lugar entre 11 países da América Latina em estudo da ONU Mulheres. Para diminuir essa desigualdade, nos últimos anos, o Tribunal vem ocupando o papel de um dos protagonistas na luta pela garantia dos direitos das mulheres, com diversas iniciativas no sentido de promover a ampliação da presença delas nos espaços de poder, em busca de uma sociedade mais justa e igualitária.

Só nesta última semana acompanhei três casos de violência contra a mulher na Política, situações que nos envergonham e demonstram o retrocesso pelo qual estamos passando. Uma retrotopia hostil e desamparada em argumentos. Simone Tebet, senadora pelo MDB do Mato Grosso do Sul, foi aclamada pré-candidata à Presidência da República, e tão logo apresentada foi logo sendo subjugada e rebaixada como no “máximo” uma vice (cargo que não tem demérito). Mensagens preconceituosas incorporaram-se ao seu perfil nas redes sociais e os machistas se apresentaram. A competência de uma ex-prefeita, vice-governadora, deputada estadual, senadora da República são enterrados quando se apresentam definindo o perfil feminino; Flávia Arruda (PL-DF) foi eleita em 2018 a deputada com mais votos na capital federal, 121.340 votos. Antes mesmo de ser nomeada como ministra da Secretaria de Governo de Bolsonaro, a jovem ministra fez parte de lutas importantes nas comissões da Câmara como a que combate à violência contra a mulher. Porém, isto não foi suficiente para ser tratada com respeito pelos seus pares. Na última semana foi atacada, por telefone, pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM) que se utilizou de palavrões e gritos, num gesto machista tentando intimidá-la diante de emendas parlamentares. Aos prantos a ministra deixou o telefone e passou ao ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. Aí a conversa foi outra…

Na última segunda-feira resolvi acompanhar a última sessão do ano de 2021 da Câmara de Vereadores de Taquaritinga-SP, cidade onde nasci e vivi por muitos anos, pois gosto do debate, das ideias elencadas, das propostas enaltecidas, todavia fiquei decepcionado com o posicionamento do presidente da Casa de Leis diante de uma proposta apresentada pela única vereadora daquele Legislativo, a professora Miriam Ponzio. O assunto era a abertura de uma CPI para apuração de casos de assédio moral, que os nobres insistiam em chamar de bullying, e tão logo a vereadora começou a se pronunciar os gritos do legislador e presidente da Casa de Leis ecoaram pelo recinto, ação desnecessária e apresentada como argumentação por aquele que foi eleito para coordenar os demais legisladores. E mais, o ato combatido pela Câmara representa-se através da hostilidade do presidente para com à sua companheira de Legislativo. É triste assistirmos uma situação como esta e ficarmos calados como muitos outros vereadores se comportaram nesta situação. Mais do que o decoro, ali foi perdida a humanidade, a empatia, o altruísmo, o respeito. Uma Casa de Leis que já foi composta por três vereadoras em uma mesma legislatura: Celinha Gabriel, Neide Salvagni e Widad Eid Gomes da Silva (que fora presidenta da Casa), que teve a Dra. Márcia Zucchi e Miriam Ponzio não merece assistir cenas lamentáveis como aquela que vi. Há pouco tempo atrás a mesma Taquaritinga viu nos noticiários seu nome enodoado por um ato covarde em que num clube da cidade uma mulher fora violentamente agredida por dois homens e os sócios apenas assistiram.

Infelizmente esta é uma situação que se avoluma pelo País e se continuarmos coniventes, achando que é normal, alicerçaremos mais algumas gerações de machistas e solidificaremos a desumanidade amparada pela ilegalidade daqueles que deveriam zelar pela legalidade. Rogo para que mais mulheres adentrem à Política e tão logo ocupem aos principais postos e que mais Celinhas, Neides, Widads, Márcias e Mirians façam parte do Legislativo, Executivo, Judiciário e os presidam.

*Prof. Sergio A. Sant’Anna – Professor de Redação nas Redes Adventista e COC em SC e jornalista.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas nacionais e mundiais e de refletir as distintas tenências do pensamento contemporâneo.

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